sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Com a palavra, o rato de laboratório! (parte 2)



- "A organização deste que era para ser um grande evento não se omite das responsabilidades e lamentamos ainda que o incidente comprometeu toda a estrutura do palco, som, iluminação, motivo pelo qual encerramos oficialmente o evento, pois não existem mais condições ou estrutura para serem realizadas aquelas que seriam as próximas palestras... e... atenção, atenção, um minutinho... esperem... esperem... por favor... pessoal, silêncio! Só um minuto...!!!, Um minuto, por favor...!!! Estou gritando porque o alcance deste megafone é curto, preciso que vocês me ajudem, fazendo silêncio! Por favor... silênciooooooo!!!!!... (...) ... Isso, isso... agora, sentem-se, se conseguirem, nas poucas cadeiras que sobraram e escutem: a comissão que selecionou e contratou os palestrantes é terceirizada, não fomos nós que convidamos ou contratamos o rato de laboratório para fazer esta palestra. Aliás, palestra é o que todos nós viemos assistir, mas o que vimos foi uma loucura, um pandemônio, uma anarquia, um terrorismo cultural, uma afronta contra a razão e a inteligência, este dia deve ser apagado da memória. Estou me dirigindo a vocês em nome da empresa organizadora e promotora de eventos relacionados as áreas de psiquiatria, psicologia, psicanálise, neurologia, enfim, de todas as ciências voltadas à compreensão e ao bom funcionamento deste órgão tão importantíssimo para nós, seres humanos, estou falando do gerente do corpo, que tanto nos fascina, o cérebro. Mas, mesmo com todo fascínio, fizemos uma reunião de emergência atrás deste palco destruído, e decidimos não promover mais eventos, não temos coragem para continuar. Decidimos que, depois de arcarmos com os prejuízos psicológicos e também com os enormes prejuízos materiais, aqui tão visíveis, caso sobre-nos algum dinheiro, entraremos no ramo de fast-food, adquirindo alguma franquiazinha que esteja despontando no mercado, e terminaremos os nossos dias vendendo hambúrgueres e cachorro-quentes. Tivemos acesso ao local onde o rato está preso e algemado e já descobriram que ele chegou até aqui utilizando assinaturas e documentos falsos. Há todo um cordão de segurança para evitar o acesso de curiosos, mas conseguimos as credenciais para estar lá junto com os agentes federais e a imprensa, e vi um rato cercado de gravadores e microfones, sob a luz de muitos flashes e refletores, ser questionado sobre seus motivos reais, a razão para ter feito tudo isso, e ele respondeu friamente que não representa nenhum grupo ou organização, que não tem nenhuma reivindicação a fazer, que não fez nada por motivos políticos ou religiosos, o que realmente motivou-o foi o desejo de experimentar uma teoria social, uma tese defendida por ele, e criou algumas situações para analisar as reações da platéia sob as mesmas, não preocupando-se em nenhum momento com aspectos éticos ou morais, mesmo sabendo que deixaria no seu rastro um grande estrago psicológico e material, beirando o caos.

Bom... o que vou dizer é humilhante demais, para nós, profissionais de pesquisa médica-científica, porque nesta noite os papéis foram invertidos: o rato foi o pesquisador, e nós, humanos, fomos as cobaias de uma experiência feita por um rato de laboratório...

Vamos ressarcir o dinheiro de todo o público pagante, tanto dos ingressos, como hospedagem, transporte e translado, mesmo dos que vieram de outros países. Mais uma vez, lamentamos muito por tudo, ficam aqui nossos sinceros pedidos de desculpas e... se isso for possível... que todos tenham uma boa noite... obrigado..."


Não há nada que possa ser feito...

Não há nada
que possa ser feito
Se há, não sei como
Não há nada a dizer
se há, não consigo expressar
Não há nada a buscar
se há, não sei a quem pedir
Não há luz e nem caminho
se há (e sei que há)
não vejo porque estou
na escuridão de mim mesmo
Mas lanço meu grito silencioso
E aonde estiver Deus
ou alguém que encontre meu escrito
que abra e leia: socorro...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Com a palavra, o rato de laboratório! (parte 1)

Sim, o rato vai falar! E, por que não, qual o problema? É lógico que o rato pode manifestar-se! Concordo, ele não seguiu carreira acadêmica nas áreas de psiquiatria, psicanálise, psicologia, medicina, e não podemos desprezar jamais o conhecimento de um médico. Concordo que o rato envolvido em um estudo ou experiência é apenas um rato, ele não tem a autoridade de um médico, MAS ELE TEM A AUTORIDADE DE SER O RATO UTILIZADO NA EXPERIÊNCIA! Ele e somente ele é o indivíduo objeto do estudo, correto? Bom, prossigamos: todo o conhecimento médico e científico que é obtido através de experiências com cobaias em laboratórios são frutos de muita paciência, persistência, observações, anotações, uma boa dose de intuição e o óbito de muitos ratos (puxa vida, doeu falar isso...) e, um estudo deste tipo pode demorar anos e anos e nem sempre chegar a um resultado satisfatório.

Agora, digo algo intrigante, pondere isto:


- O conhecimento dos profissionais da área médica-psiquiátrica é obtido através de:

cursos + experimentações + observações + hipóteses + troca de informações.


- O conhecimento do nosso indigente, o rato de laboratório, é obtido através de:

REAÇÕES BOAS, MÁS OU PÉSSIMAS QUE SENTE NA SUA PRÓPRIA PELE!


Agora, a pergunta que não quer calar: vamos imaginar que, um rato recebe o dom de falar, e, durante uma experiência em que um profissional de pesquisa científica já está há uma semana sem falar, sem comer, sem dormir, sem piscar, com os olhos vidrados observando o comportamento e reações de um rato que, só pra exemplificar, ingeriu drogas ainda não estudadas, caso o rato colocasse-se de pé e falasse "Ei, acabaram-se seus tempos de dúvidas e angústias, porque gosto muito de conversar e vou falar tudo que estou sentindo, com o máximo de detalhes possível. Posso imprimir relatórios, dramatizar, desenhar, criar ilustrações. Ah..., sim, caso queira algo mais profissional, leve-me a um computador e elaboro rapidamente uma apresentação no PowerPoint!".

Você acha que, neste caso, o rato seria mais útil e poderia abreviar o tempo necessário para a conclusão dos experimentos? Sim? Obrigado, é a deixa que eu esperava. Permita-me apresentar-me: sou o rato, a partir de agora falo na primeira pessoa, e tenho algo a dizer com relação a depressão e pânico de bipolares. Obrigado pelo silêncio que houve na sala. Aonde estão os meus óculos? Aqui. Deixa eu pegar minhas anotações... cadê... ok, vamos lá..

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A.A. Saúde Mental X Psicotrópicos F.C.

Cheguei a seguinte conclusão: Não dá pra fazer um cara com saúde mental plena, dentro dos padrões aceitos como normais, entender o que se passa na cabeça de um doente mental. São dois universos completamente diferentes. Dois times. Sim, podemos tratá-los como dois times de futebol, rivais entre si: o Associação Atlética Saúde Mental e seu grande rival Psicotrópicos Futebol Clube. Dá pra imaginar a conversa entre dois expectadores, assistindo o grande clássico:
- "Ei, porquê o atacante do Psicotrópicos não corre atrás da bola?"
- "Está desmotivado. Sofre de depressão profunda."
- "Ahhh, entendi... e porque o goleiro do Psicotrópicos está de costas para o campo, abraçado com a trave, tremendo e chorando?"
- "Ele padece de síndrome do pânico."
- "Ahhh, sim... ei, a arquibancada da torcida do Psicotrópicos está vazia, cadê os torcedores?"
- "Não vieram. Sofrem de antropofobia, medo de aglomerado de pessoas, de multidões..."
- "Ahhh, tá bom... mas... então seria fácil ganhar deste time... o que não entendendo é... porque os jogadores do Saúde Mental estão escondidos no vestiário e não vem ao campo para vencer a partida???"
- "Entendo sua dúvida. O problema é que estão intimidados pelo respeito à camisa do time adversário."
- "Nossa! Não sabia que o psicotrópicos tinha tanta tradição! E não só pela tradição, tenho que admitir, a camisa do Psicotrópicos é muito bonita!"
- "Não, não foi isso que eu quis dizer. Os adversários não estão com medo da camisa que o Psicotrópicos está utilizando no campo. Eles estão com medo é da camisa que o time veste quando está no hospital, porque tanto a zaga como o meio de campo vestem camisa-de-força por ser a única forma de garantir a integridade física e até a vida dos que estiverem por perto."
- "Ahhh, entendi..."

Há partidas de futebol que enchem o coração de emoção. Há outras que perguntamos porque fomos tão idiotas de ficar observando um lenga-lenga que acabou dando em nada...

Mas são coisas do esporte.

Viva o futebol!!!!!


sábado, 24 de setembro de 2011

Transformei-me numa barata!!!

Após reler o clássico Metamorfose, de Franz Kafka, vesti a carapaça, quero dizer, a carapuça. O antigo apresentador J. Silvestre (será que o cara ainda está vivo?) poderia chamar-me para o quadro "Esta é a sua vida" e explanar sobre mim a biografia da barata sem mudar uma vírgula e tudo se encaixaria. Para quem nunca leu o livro, ele conta a história de Gregório, um rapaz normal que mora com sua família. Após acordar de uma noite de sono como todas as outras, olha para si mesmo ainda deitado sobre a cama e descobre que durante o sono transformou-se em uma barata! O livro começa exatamente neste ponto, no day after, descrevendo as consequências físicas e psicológicas desta metamorfose, não apenas para Gregório, mas para todos que dividem o teto com ele. Grande Franz Kafka, ele não tomou partido, não impôs lições de moral, simplesmente discorreu a história expondo de uma maneira extremamente crua o quanto são frágeis os nossos laços sociais e familiares quando deparam-se com situações que fogem da normalidade (ainda que, não vou generalizar, acredito, sim, que toda a regra tem exceção).
      
Acho que todos nós, movidos a psicotrópicos, pacientes psiquiátricos, suicidas em potencial, principalmente os que não vieram doentes do berço, antes tiveram suas vidas, sonhos, trabalho, casamento, enfim, éramos pessoas normais, e hoje somos loucos ou meio loucos (em certo ponto acho que os loucos estão melhores  que os meio loucos, porque são justificados pela sua completa anormalidade, mas o meio louco, ou seja, um bipolar, não age como um normal mas é cobrado pelos atos da sua insanidade, pois intercala períodos de completa lucidez, colocando em dúvida a existência de uma enfermidade real...) , mas na prática, acredito que, aos nossos olhos e aos olhos daqueles que rodeiam-nos, transformamo-nos todos em um belo... (qual é o coletivo de baratas, mesmo...? Peraí, tô abrindo a página do google...) BANDO!!! Isso mesmo, fomos transformados em um belo bando de baratas! (quem quiser mais informações sobre baratas, recomendo este link, é informativo e muito bonito): http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/baratas.htm
  
Bom, para nós que somos baratas, não recomendo a leitura do livro citado neste post, pode ser uma dura experiência para os que já estão deprimidos.
  
Mas, para os familiares de baratas, dá uma lida lá, será muito bom. Vocês vão entender se surgir em nós, um dia, um medo infundado de vassouras e inseticidas... (Aos familiares em geral, fica aqui o meu respeito. O fardo de vocês também é pesado, que Deus vos ajude e dê-lhes muitas forças, sempre...)
      
(Opa, ainda em tempo, resolvi voltar neste post e editá-lo porque acompanhando as estatísticas do blog percebi que alguns acessos a ele foram feitos por pessoas que buscam na internet uma resposta sobre o motivo, o porquê Gregório transformou-se em uma barata. Porém, não há explicação para isto no livro. O autor realmente não preocupou-se em dar a resposta, pois quis focar não o motivo real, mas as consequências que ocorrem quando alguém torna-se, de repente, em algo ou alguém completamente fora dos padrões que a família e a sociedade estão acostumados. A barata é apenas uma alegoria, um símbolo, o que ficou representado no livro é que o "completamente diferente" torna-se um peso inconsequente para si , para sua família e para a sociedade como um todo, carregam-lhe como peso extra e desnecessário, ainda que esforcem-se para não enxergá-lo desta maneira. Tudo resolveria-se caso o "diferente" voltasse ao padrão aceito como normal, mas nem todos os casos de "despadronização" são reversíveis, muito pelo contrário, podem confirmar-se com o tempo como um processo de degradação crescente, por mais que queiram ajudá-lo, ou por mais que ele chore e deseje retornar ao estado anterior. O autor poderia ser mais específico, escolher um perfil, como por exemplo, um viciado em crack ou speed no último estágio do vício, que mora com sua família extremamente conservadora, ou outros diversos perfis que perfeitamente enquadrariam-se no estereótipo de "pessoa completamente fora dos padrões aceitos como normais", mas, ao definir o personagem principal como um inseto, todos os "diferentes" podem espelhar-se no "mocinho" da história. Detalhe, o autor não toma partido sobre as razões de Gregório e nem de sua família, na verdade descreve as dificuldades de ambas as partes diante de uma mudança de rotina tão drástica. Resumindo: o foco do livro não é a causa em si, mas os efeitos psicológicos sobre todos os envolvidos no contexto social e familiar, por isso não saberemos jamais o porquê Gregório transformou-se em um inseto, até porque, se quisermos entender assim, ELE NÃO TRANSFORMOU-SE EM UM INSETO, o inseto é apenas um símbolo).
  
Taí, logo abaixo, o link para baixar o livro. É de domínio público. Fiquem com Deus.


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Viva a lucidez!

Que maravilha...
A quantos dias não via o sol!
Preciso tirar o pó de mim mesmo
Estava no limbo,
sou fungos e bolor...
Ensaio lentos movimentos
e o corpo responde
gentilmente
aos comandos tímidos
de um cérebro que as vezes
quase desiste de si mesmo.
que pena...
aqui não valem as leis da física
defendidas pelo gênio
de olhar meigo e complacente
que expandiu nossos conhecimentos
e fez comum o extraordinário,
o inimaginável:
voltei de outra esfera,
outra dimensão
outra órbita
outro sistema
outro espaço
fora dos limites onde
tempo e espaço são regidos
pelo grande astro
o maior astro dentro do nosso campo
(humano) de visão.
Quando voltei da longa viagem
aterrissei.
Esperava ver tudo e todos envelhecidos menos eu
mas foi o contrário
Só vejo a mim mesmo cada vez mais velho e cansado...
mas... que importa?
O importante é que a luz apareceu novamente!
Posso ver o dia!
Posso respirar!
Comemoro a trégua do meu calabouço
como um novo nascimento
porque a vida
entrou pela janela
tomou-me pela mão
mostrou-me a escada
e agora assiste-me
subir cada degrau, lentamente,
sendo tocado pela luz.
Luz...
o "resplandecente", o "brilhante", o "luzente",
todos são adjetivos de luz.
Lúcido também.
Santo adjetivo, este, lúcido,
para quem vem subindo do poço da tristeza e escuridão.
A vida deve ser iluminada, cheia de luz, de lucidez.
Acho que a vida tem tudo a ver com a lucidez!
Viver é algo que, se não pode ser explicado,
pode ser sentido
através dos sentidos.
O cérebro e os sentidos estão entranhados
Sem os sentidos a vida perde o sentido
pois seríamos só pensamento
algo abstrato
Não seria prazeroso viver sem sentidos
pois se é o pensamento que traz a consciência da existência
são os sentidos que forjam o sabor de estar vivo
Mas o bom e velho cérebro continua sendo vital
Que Deus vele pelo nosso cérebro
e amplifique sua existência
porque ainda que o corpo
como um todo
esteja intacto
morrendo o cérebro
todos os sentidos e sabores serão nulos,
logo, pensamento e sentidos,
são inter-dependentes entre si,
mutuamente se ajudam.
Completam-se.
Mas deixo agora os pensamentos
e invoco os sentidos
pois comemoro isso:
este dia específico
em que vou saindo do poço
não vejo alucinações
não ouço zumbidos
não me norteio pelos medos
há quantos dias eu não sabia
o que era viver sem delírios...
Subi com facilidade estes degraus
e me vejo agora, já na borda do poço
sinto a brisa do campo aberto
estava com saudades do sol
Quero eternizar este momento
ainda aqui, na escada
de olhos fechados, que bom sorver o ar...
.
..
...

espere,
desculpe-me, estou tonto...
Ei... porque está tudo escuro?
.
..
...
....

Ah....
........
entendi...
posso ver...
caí para trás...
estou no fundo do poço
de novo...

...

Que ironia... nunca gostei do lodo
sempre falei mal do lodo
mas fui salvo pelo lodo:
a queda foi amortecida
pelo lodo
que havia no fundo do poço
e, como diria
o saudoso poeta urbano:
ói nóis aqui travêis...
Comemorei cedo demais
o despertar sem delírios
mas já era delírio pensar que estava lúcido...
Devo confessar:
foi criativa, a alucinação...
transmutou-se,
diversificou-se,
reinventou-se
a intenção foi boa, tirou-me da rotina
mas, bom mesmo, seria
se fosse real...
Ora, pois, como dizem os lusitanos,
fazer o quê...
Lentamente vai se firmando
este que deve ser
meu novo estado
definitivo de normalidade.
Bom, estou cansado
e sem coragem
indisposto para chorar mais um pouco
todo leite derramado
Não sei se é comodismo
(ou, estratégia de sobrevivência?)
mas vou tratar
este lugar
como um lar...
desculpe-me,
peço-lhe licença,
vou consertar uma torneira que está pingando...