Os nomes e identidades serão preservados, vou chamá-los de Senhor X e Senhora Y, mas o relato a seguir é sobre um caso real, algo que eu queria falar desde que criei este blog, mas não encontrava a forma, a maneira de expressar-me. Peço a atenção, principalmente dos familiares de pacientes bipolares.
GPS
De algum lugar que não vem ao caso, no Brasil, onde resido.
A visita
Certa manhã cheguei a casa de uma família que conheço já há um bom tempo, entrei a convite do meu amigo que recebeu-me como de costume, porém a sua esposa não respondeu minha saudação e retirou-se para outro local da casa.
Perfil do casal
Ele, o senhor X, mente sã, cheio de projetos, preocupado com sua carreira profissional.
Ela, a senhora Y, bipolar, crises constantes de depressão e pânico, tratamento interrompido para ajustes do orçamento doméstico.
O clima (aparente)
Enquanto conversávamos, ele manteve-se estável, tomamos café, falamos sobre projetos, mas, após alguns minutos de silêncio, ele disse-me que daria uma volta de carro pela cidade, se eu poderia acompanhá-lo, pois havia algo que queria falar-me.
O clima (real)
Após estacionar o veículo em um local tranquilo, confidenciou-me que havia discutido com sua mulher naquela noite, que não existiam mais condições de se relacionarem, arrumou suas malas durante a madrugada e avisou a mulher e os filhos que estava abandonando a casa, pegaria o carro com suas roupas e iria embora para a capital, visto que lá localizava-se seu local de trabalho atual. Aliás, já era uma rotina, pelo motivo de trabalho, ausentar-se da sua casa por três, quatro ou até cindo dias consecutivos por semana. Conversaram pela última vez antes de dormirem, acordaram os dois com o semblante fechado, tensos, ofendidos, sem se olharem nos olhos e sem dirigirem a palavra um ao outro em nenhum momento, ele resoluto a ir embora, ela resoluta em deixá-lo ir, tendo os dois encerrado o assunto, ele partiria naquela manhã, provavelmente já teria partido se eu não tivesse chegado logo cedo naquela casa.
Os motivos da separação anunciada
Ela é do contra, segundo ele, e vem sendo do contra há um bom tempo, nada a deixa feliz. Ela queria que ele saísse do antigo trabalho para voltarem a residir na capital. Quando ele finalmente demitiu-se do trabalho, ela se desesperou e discutiu dizendo que ele não poderia ter saído do trabalho, e disse que jamais voltaria para a capital porque ouviu falar da onda de violência que estava por lá. Decidiram, então, continuar residindo na mesma cidade, porém ele não conseguir trabalho na cidade em que residiam, o emprego que lhe ofereceram era na capital, e ele tinha que viajar e ficar de três a quatro dias por lá, trabalhando de dia e a noite, dormindo na casa de familiares, e voltando para ficar apenas uns poucos dias durante a semana com a família. Desta vez ela quer que ele abandone o trabalho na capital e fique a semana inteira com a família, mesmo sem ele ter (pelo menos naquela data), uma oportunidade de emprego na cidade da sua residência, e não ter nenhuma outra fonte de renda.
Os motivos para ele pedir conselhos a um rato
Havíamos trabalhado juntos há algum tempo, na mesma empresa, mesmo ofício, mesma sala, e tivemos alguns problemas de relacionamento na época porque eu era bipolar e ele não acreditava que minha doença era real, devido ao fato de que haviam dias em que eu não conseguia produzir ou comunicar-me mas em outros dias eu me comunicava e trabalhava normalmente. Ele tratava-me como se minha doença fosse uma farsa e, nos dias em que eu estava sob crise de pânico, ele investia sobre mim, criando situações de pressão, como se quisesse acabar com meu "teatro". Nos dias que eu estava bem eu tentava explicar que havia um problema real, que eu alternava estes dois estados, que durante as crises de pânico eu perdia o discernimento, ficava sem expressões no rosto, não conseguia entender o que acontecia ao meu redor e nem fazer-me entender, ele apenas ouvia-me e dava meio sorriso como se o que eu falasse não merecesse atenção. Um dia ele chegou no trabalho (eu estava tendo uma crise de pânico muito forte) e a expressão no rosto dele foi diferente comigo, não havia mais aquele sorriso irônico, olhava para mim como olha-se para alguém que precisa de ajuda e foi paciente comigo até que terminasse aquela crise (que durou mais ou menos três dias). Não perguntei para ele o porque daquela mudança de tratamento (para melhor) com a minha pessoa, mas depois de alguns dias entendi: a esposa dele foi diagnosticada como bipolar, a mesma enfermidade que eu tinha (e não sabia), e ele percebeu que eu tentava explicar-lhe as mesmas coisas "absurdas" que ela tentava explicar-lhe, a respeito de estados mentais que não podíamos controlá-los. Já não trabalhávamos mais juntos, mas mantemos a amizade, e agora ali, dentro do carro, ele desabafou comigo e esperava para ver o que eu diria a respeito daquele impasse com relação a enfermidade da esposa dele, o que eu tinha a dizer, se realmente o caso deles era insolúvel, se a separação era mesmo irreversível.
Seguem os três itens da receita do rato para reverter aquela situação:
1. Ignore tudo o que ela falou durante a crise de pânico.
Ao voltar para sua casa, entre com uma expressão normal no rosto, como se não tivessem discutido ou brigado no dia anterior, e depois de alguns minutos, olhando com uma expressão normal e num tom de voz calmo e indiferente, pergunte alguma coisa banal, do tipo "Aquelas bolachinhas de leite acabaram ou sobraram algumas?". Após ela responder normalmente, esta ou alguma outra pergunta banal, feita depois de algum tempo, continue agindo como se não tivessem brigado em nenhum momento, e, sem encará-la diretamente, demostre na expressão do rosto que não existem lembranças do que conversaram no dia anterior.
2. Trate-a como um doente, dirija-se a ela da mesma maneira que um médico dirige-se a um paciente.
Depois de algum tempo, diga-lhe que considerou tudo que foi dito, que a preocupação dela é a mesma que a sua: família, filhos, e, realmente, as preocupações fazem sentido, mas vai esperar mais um dia, ou dois, para decidirem juntos, o que farão, que não irá força-la, agora, a deixará tranquila, descansando a cabeça, porque desde a manhã do dia anterior, pela expressão no rosto, percebeu que ela não estava bem, que iniciava-se uma crise, por isso vai deixá-la tranquila, conversando apenas quando ela quiser, e deixando-a só e quieta, caso ela assim preferir.
3. Concorde com ela, dizendo que vai fazer tudo que ela sugeriu durante a crise de pânico.
Em algum momento ela mesma vai sinalizar que já podem voltar ao assunto, no mesmo dia ou não. Então faça isto: concorde com ela! Diga que ela tem razão e que você vai fazer exatamente do jeito que ela sugeriu! Que abandonará o emprego na capital no outro dia e que vai ficar junto a sua família todos os dias da semana, porque a família é mais importante para você do que o emprego! (Detalhe: não pode ser num tom de deboche, você tem que fazer ela sentir que realmente está concordando com ela, que ela te fez enxergar a melhor escolha para a sua família). A partir deste momento o peso da responsabilidade vai cair sobre ela e, sob pânico, ela mesmo vai dizer, "mas aí nossos filhos vão passar fome, não pode sair do trabalho assim...", e você vai dizer, é mesmo você tem razão, então vamos fazer assim, você vai ficar bem, e nós vamos decidir isso junto, pesando os prós e contras de qualquer solução, e nós vamos fazer o que for melhor para nós e para os nossos filhos. Mas por enquanto eu quero que você só descansa a cabeça porque eu não vou fazer nada sem antes conversar e decidir junto com você, e não vou passar este peso de te obrigar a decidir alguma coisa enquanto sei que você não está bem.
O tempo decorrido para a definição do diagnóstico
O senhor X, expondo seu problema..: 1:00 hrs. (uma hora).
O rato, para expor seu diagnóstico...: 0:10 hrs. (dez minutos).
Quando o sr. X voltou para casa, a sra. Y estava com uma cara de que mataria o primeiro que aparecesse na frente. O sr. X entrou em casa sem dirigir-lhe a palavra, porém com a expressão do rosto normal, como se não tivesse acontecido nada no dia anterior, e, depois de algum tempo, executou o primeiro item da receita do rato. Ela respondeu normalmente, e, na mesma hora, mudou o semblante tenso para um semblante de surpresa. Em seguida, ainda espantada, perguntou porque ele havia me chamado para dar uma volta de carro e ele respondeu que quis tomar alguns conselhos comigo. Ele, o sr. X, me confidenciou depois que, ao dar-lhe esta resposta, na mesma hora ela expressou um sorriso de esperança (engraçado, não sei se é coisa da nossa cabeça... mas tem hora que imaginamos que só mesmo um bipolar entende outro bipolar, ou, para ser mais global, só alguém que teve ou tem síndrome de pânico consegue entender o que se passa na cabeça de quem está em pânico...) Bom, os outros dois itens do diagnóstico do rato foram aplicados normalmente, ao seu tempo, e decorreram como o previsto, mas já neste primeiro momento posso afirmar que toda aquela crise familiar foi revertida cem por cento.
O tempo decorrido para reverter o caso (da teoria à prática)
00:05 hrs. (cinco minutos)
(ei, espere, considere isso: eu disse CINCO MINUTOS...)
Porque a teoria deu certo?
Legal, é aqui que eu queria chegar. Explicar o porquê dos porquês, não sob uma ótica médica, mas sob a ótica de quem está vivenciando este problema na prática, na pele. Não tenho teorias para a cura (se tivesse, aplicaria em mim mesmo), o que tenho na verdade é uma teoria para convivência, para reverter situações que dificultam o convívio com bipolares, ou mesmo com aqueles que não tem os dois pólos (euforia e depressão (com pânico)) mas que tem em comum a SÍNDROME DE PÂNICO.
O porquê dos porquês será explicado no próximo post (referente a trajetória do rato de laboratório) que terá o seguinte título:
"O porquê dos porquês - A conclusão e o fim da saga do rato de laboratório"
Até lá...