domingo, 16 de dezembro de 2012

O ciclo


Até que enfim, dissolveu-se a nata dos olhos e os tímpanos vibram sob sons definidos. Definições claras são sempre bem vindas.Bom... hoje é o day after, hora de olhar para trás e conferir os estragos. A crise começou há cinco dias e prolongou-se até hoje pela manhã. O start foi automático, como sempre, porém a tensão de muitos dias sob pressão e a frustração de no último instante não alcançar os resultados desejados foram como pimenta que perverteram o tempero. Esses elementos (tensão, pressão, frustração) estressam e confundem o barman (que já não vai bem) que processa o coquetel chamado "química do cérebro"...   No final da crise, a perda da noção de tempo gerou o pânico por acreditar que nunca mais voltaria a normalidade (já falei sobre isto em outro post, faz parte da crise, tá tudo incluído no pacote), mas, ao fazer um cálculo com dificuldade, descobri que a crise fazia aniversário de cinco dias de idade, e, a prática ensinou-me que já não era necessário procurar a saída, pois sabia que pela manhã (hoje) o labirinto não existiria mais...

Mas... continuemos: estou meio sonolento, porém sóbrio. Sempre descrevi sensações do lado de dentro, mas escolhi, desta vez, descreve-las à apenas um passo, do lado de fora, quando as imagens do período sem nitidez ainda estão nítidas, o suficiente, antes de totalmente dissiparem-se.

Olhando o monstro nos olhos (não vou provocá-lo pois ainda está próximo) vejo-o indo-se; é feio, gordo e balofo (mais que eu). E possui um nome: ciclo.

Bem, o ciclo perfeito (se é que pode haver perfeição nisso) inicia-se e fecha-se no período de mais ou menos cinco dias, indo do primeiro ao quinto estado, e cada um desses estados pode ser bem definido ou  ser, na verdade, apenas a transição de um estado à outro, por misturar características de ambos. Posso prever as sensações do estado seguinte, pois, independente se estarão latentes, controladas ou escondidas, a sequencia nunca altera-se.

Eu poderia falar sobre qualquer dos estados ou sobre todos, mas o que motivou-me a redigir este post foi o quarto estado, o penúltimo, que antecede o fechamento do ciclo. Denomino-o ressaca. Quer que eu repita? Ok: Ressaca. Isso mesmo. E não é simples analogia ou metáfora; quando falo ressaca, é ressaca mesmo. Daquela que deixa sonolento, sem reflexos, com dor de cabeça, dores no corpo,  movimentos descoordenados,  raciocínio lento, enfim, sofrendo os efeitos da bebedeira (que injustiça, não bebi nada...)

Não ingeri álcool (não sou dado a bebedices) e nem psicotrópicos (remédios) pois há algum tempo desconfio que fazem mais mal que bem. Tenho enfrentando cada ciclo com minhas forças e as de Deus, e  tenho-os vencido de cara limpa, com muito orgulho. Porém intrigou-me, desta vez, um fato: como o cérebro, utilizando apenas seus parcos recursos e a química disponível, consegue fabricar um estado de embriaguez tão perfeito que tem direito a fechar o ciclo com penúrias de uma verdadeira ressaca?

Surge a questão: quem são estes caras que fabricam o álcool,  por assim dizer, a cachaça do estado de loucura? Isto é obra do cérebro inteiro ou de alguns neurônios entediados querendo passar o tempo? Que métodos rudimentares utilizam estes prisioneiros enquanto estão no calabouço para fabricarem sua própria pinga? Como embriagam-se a si mesmos e, por conseqüência, o corpo?

Falando-se de pinga em calabouços, essa ideia de fabricar pinga nas prisões é antiga. Existe um destilado de uma classe (especial?), um tipo conhecido como maria-louca ou pinga de presídio, onde Cereais, açúcar e cascas de frutas passam por um processo de fermentação imersos na água, da qual, após ser coada, destila-se a bebida artesanal, pelas mãos de prisioneiros habilidosos e discretos.

Gostaria de interrogar meus neurônios, descobrir como estes (dois?) alquimistas conseguem manipular suas fórmulas, mas, quanto mais aproximo-me mais afastam-se de mim. Guardam o segredo a sete chaves, a fórmula é mais blindada que a da coca-cola. Acredito que o segredo é passado de prisioneiro para prisioneiro (ou de neurônio para neurônio). Não gosto desta atividade, de saber que há uma destilaria clandestina dentro de mim, mas, confesso, respeito muito mais os neurônios que vivem a margem da sociedade que os preguiçosos ou falidos, que encerraram suas atividades a tempos.

Há, enfim, uma parte amotinada no cérebro, que finge estar sob controle mas segue, vez ou outra, seu próprio caminho. As vezes acho que o cérebro inspira-se no coração, tem inveja da sua independência, da sua auto-suficiência, e rebela-se num momento, instantes que vai por onde quer e se não quero perdê-lo devo segui-lo, fingindo-me indiferente, mas agarrando-o no momento oportuno.

É isso. Divaguei, divaguei, mas não levei o ouvinte/leitor a lugar nenhum. E, confesso, não buscava outro lugar. Não importei-me em deixar lições. Nem conclusões. Queria mesmo era te prender aqui por algum tempo.  Na verdade, apenas precisava falar. Só isso. Falar. E ser ouvido. Obrigado por emprestar-me seus ouvidos.

bye.