quarta-feira, 27 de março de 2013

O doce estigma do anonimato

Assisto,
impassível,
a persistência
dos que alçam a voz,
abrem as portas,
tateiam pelas paredes,
insistem na aproximação,
no contato físico
ou verbal,
tentando tirar
da penumbra
um ser desconhecido,
invisível,
porém real,
que não faz barulho,
esconde o rosto
e o corpo,
mas sabe-se que existe
porquê deixa rastros,
deixa sinais,
e a herança do seu passo
é um grito,
ou um sorriso,
ou um gemido,
que desperta todo o
interesse do mundo
ou a indiferença total.
Mas... que importa?
Não apiedai-vos do homem sem rosto
pois não é algo imposto
ou acidental.
É bom não ter rosto, afirmo,
porque todos os rostos
espelharão-se,
caberão em mim;
e se roubei-lhes a voz,
tomarão para si
minha causa pessoal,
e nessa hora não serei uno:
serei universal.
E de fato é fato
que visto a capa
do mimetismo,
do anonimato...
e gosto de estar sem ser visto
ou ausentar-me sugerindo
a possibilidade de, talvez, nunca ter ido.
Insisto que há, acredite,
um patamar reservado
aos escritores invisíveis,
uma áurea de mistério
que envolve os pseudônimos,
invertendo papéis:
o autor torna-se personagem
no imaginário de seus pares
ocasionais ou fiéis,
e expande-se,
alcança dimensões
inimagináveis,
nem sempre (ou nunca) reais.
Vai-se, assim, mui longe:
serei moldado, transportado,
expandido,
e sopros de pensamentos
impulsionarão minha nave
rumo ao destino,
lugar atemporal
onde o muito nunca é demais
e viverei anonimamente,
morrerei anonimamente,
e saberão tardiamente
porque mortes de indigentes
não estampam os jornais.

good bye

.