sábado, 22 de janeiro de 2011

A Flauta de Madeira

Tenho uma flauta transversal de madeira. Rara. Belíssima. Som aveludado. Não conheço sua história, seus trancos, barrancos e solavancos. Quem a tocou, quem a possuiu. Se foi de um compositor, solista de uma orquestra, um professor, aluno ou de um simples amante da música.
  

O pouco que sei dela traduz-se nisso: meu irmão mais velho achou um anel velho que saltava para fora de uma lata de lixo. Levou o anel à um antiquário e viu lá o que sobrou de uma antiga flauta transversal que resumia-se em madeira trincada, molas relaxadas, sapatilhas ressecadas, mecanismos travados e parafusos faltando. Sugeriu ao dono do antiquário fazerem uma troca “elas-por-elas”, “pau-a-pau”. Aquele senhor, provavelmente, estava muito ocupado, e, lixo-por-lixo, topou a troca na hora, dispensando meu irmão.
  
Bem, meu irmão nunca interessou-se por flauta, e como sabia que gosto de música e, particularmente, de flauta-transversal, uniu-se a meu pai e fizeram uma bela reforma (por não existirem peças para reposição, algumas foram feitas no torno). Resultado: ganhei de presente um instrumento belíssimo que, pelo imenso valor que tem para mim, imagino que jamais conseguirei retribuir-lhes. Já recebi ofertas de outros (verdadeiros) flautistas. Mas dessa não desfaço-me e não vendo por nada. Não vendo, não empresto, não alugo. Ponto.
  
Pesquisando a história das flautas transversais, vendo fotos, desenhos, verifiquei que Boehm apresentou um modelo parecido em 1832 (utilizo o modelo de Boehm, o inventor, como referência, porém a minha flauta é da marca ‘Le Conté - Paris’ , francesa, presumo, da qual, na data em que efetuei a pesquisa, não encontrei nenhuma referência histórica). Porém, pela similaridade, acredito que minha Le Conté tem mais ou menos um século e meio, até porque o próprio Boem abandonou os modelos de madeira e, por motivos acústicos e de afinação que ele defendia, optou pelo metal e apresentou um modelo de prata em 1847. Tenho certeza que jamais viverei um século mas a flauta caminha para o segundo. Sei que, com um pouquinho de cuidado, mesmo depois que eu partir ela ficará por aí. Um bom tempo ainda, é o que desejo para ela.
    
Tenho uma filha linda (todos os meus filhos são lindos, modéstia a parte). A Mônica (é o nome dessa maravilha a quem me refiro) sempre gostou de música. Gosta de ouvir, tocar, já tocou na fanfarra da sua escola, toca algumas notas no trumpet do seu tio e toca flauta (apenas de ouvido, sem leitura musical) com doçura, afinação e divisão suficientes para ser acompanhada por outros músicos com seus instrumentos. Esperto como quero ser, criei um plano para a flauta não sair das mãos da minha descendência: combinei com a menina que lhe deixarei a flauta, como herança e recordação, desde que ela vá com a mesma no meu velório e toque o hino 433 do hinário 4 da CCB, perto do meu caixão. Ela mostrou-se sensibilizada, comovida, agradecida por poder ficar com a relíquia, mas, como não gosta de ir a enterros, velórios ou funerais, vai tocar e gravar o referido hino em MP3 e pedir que alguém leve o tocador e deixe-o ligado dentro do caixão, próximo ao meu ouvido entupido de algodão.
  
Viva a tecnologia! E essa capacidade humana de adaptar-se as mais difíceis situações...

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