quarta-feira, 6 de abril de 2011

Tratado sobre o suicídio

Decididamente: não admiro os enforcados.
Estar ali, pendurado,
instalação surreal,
arte macabra, inusitada,
lentos movimentos
cronometrando o tempo,
emulando pêndulos,
que não estimulam o gênio
de Galileus ou Galileis.
Afora o trabalho que dá;
muitos elementos a considerar:
precisa-se de uma corda,
um banquinho bem alto,
uma viga para amarrar a corda.
Massa corpórea
vezes altura do banquinho
vezes comprimento da corda
vezes pressão atmosférica
vezes força da gravidade
vezes alinhamento de Marte com Saturno
vezes cotação do dólar,
enfim, haverá na física uma fórmula
que possa livrar o suicida
da tortura do último cálculo?
Não, essa forma não me cabe,
imagino o desconforto,
não gosto que nada aperte-me o pescoço,
afrouxo a gravata em dias ensolarados.
Um tiro na cabeça é
outra forma de despedir-se,
os neurônios remanescentes
nem tem tempo de reagir,
mas... descarto,
meu ouvido é sensível,
não quero levar para o além
o cheiro da pólvora
nem o eco do estampido
do último tiro
disparado próximo ao ouvido.
Outros preferem saltar de edifícios
executam evoluções aéreas
até que mergulham
em lagos de granito.
A turba está agitada,
não é todo dia que
assiste-se um suicídio
A área é isolada,
alguém empunha uma faixa
"Por favor, não pule !"
Chegam a imprensa,
os bombeiros,
o celular com a voz de um amigo,
a multidão quase não pisca ou respira,
Oh, meu Deus! Tomara que não pule!
Ele não pode pular!
Mas lá no fundo,
bem no fundo,
torcem pelo pior,
para que possam chegar em casa
e anunciar em primeira mão:
"Eu estava lá, eu vi, foi horrível ! ..."
Eu gostaria de frustrar essa gente
que não torce por nós
que põe holofotes sobre nossas tragédias,
assentam-se em arquibancadas
e assistem nossa vida
como se ela fosse
um picadeiro de circo.
Eu iria lá no fundo do prédio,
onde ninguém estivesse olhando e,
sem nenhum sinal ou aviso,
pularia e diria bem baixinho:
good bye.
Mas ... não ...
não faria isso...
poderia cair sobre um passante, um transeunte.
E... jogar-se na frente de um carro?
Não, também não,
muito deselegante:
estragaria a lataria
do carro alheio
e não ficaria por aqui
para pagar o conserto...
há de considerar-se, ainda,
um atropelado não pode ser tocado
até chegar a perícia,
torna-se um morto inconsequente
ao causar um dos maiores suplícios
do mundo civilizado,
que atinge a humanidade,
os que vivem em megalópoles
ou mesmo micro cidades:
tráfego - de - veículos - interrompido.
Não concordo com isso ou aquilo
A morte deve causar o mínimo
de consequências possíveis
para aqueles que não tem nada a ver com isso
não pode atrapalhar o trânsito
de veículos ou destinos.
E... queimar-se?
Sem chance, só se o cérebro morresse primeiro.
Na verdade, só aplicaria esse método
caso fosse inimigo
de mim mesmo,
incinerar-se não é suicídio, é auto-punição,
o corpo arde enquanto o cérebro,
protegido, blindado,
dentro da caixa craniana,
espera o tempo
interminável em que
cada segundo é eterno
e a mente consciente espera
uma morte tão lenta que
parece que nunca chega...
Então... será melhor afogamento?
Sufocamento?
Tipo morte por asfixia?
Nem pensar, já tô ficando com falta de ar...
Todas as formas são horríveis
tudo causa angustia, dor, sofrimento...
Ah... quem dera...
morrer sem sofrer
morrer sem sentir dor
morrer uma morte suave
morrer com beleza, com poesia...
como estar assim,
sentado sobre o piso de azulejos
a água quente caindo do chuveiro
uma névoa branca de vapor
perfumada, por misturar-se ao cheiro
de sabonetes e shampoos
e um líquido vermelho, viscoso, jorrando
do corte profundo no pulso
diluindo-se na espuma branca
e criando belos degrades
que vão do vermelho-sangue
ao rosa-bebê
esvaindo-se pelo ralo
junto com a água,
junto com a vida,
e essa dormência,
e esse torpor,
e essa tontura,
e essa deliciosa...
vontade de...
dormir...
...
..
.

11 comentários:

  1. Cara... muito bom!!! Muito bom mesmo!! Gostei demais!
    Leva muito jeito pra escrever... QUem sabe tá aí a saída pro seu sofrimento.. O final então muito bom, talvez eu quereria um fim assim também... vc tem email? abracos... fabio.

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  2. legal, Fábio, este é, praticamente, o segundo post desde o início deste blog, porém até hoje ninguém o havia comentado. Obrigado por ter percebido as surpresas que existem no texto, porque ele é, sim, de certa forma, deprimente e repugnante, mas é, acima de tudo, um poema, e talvez o texto mais técnico, mais bem elaborado, de todo este blog. Uma dica: este blog possui, relativamente, pouco material, ou seja, apenas 27 postagens, é rápido para lê-lo totalmente, e, todos os textos, postagens, foram escritos ou no pólo eufórico ou deprimido+pânico, ou seja, sob estados mentais extremamente férteis, pelo que estão reservadas muitas surpresas aos que aventurarem-se em suas leituras. Não sei quantos textos você já leu neste blog, mas te afirmo, emoções e imagens profundas é o que não falta por aqui, e não há repetições, os textos descrevem estados de loucura reais, mas nunca repetitivos, são o caos da mente, realmente, porém esquivando-se do óbvio, ou seja, elevados ao estado de arte, e, ao voltar ao estado de normalidade, surpreendo-me com eles, porque jamais conseguiria compô-los neste estado. Sobre o seu comentário que levo muito jeito para escrever, te afirmo, a sensibilidade não pode estar somente em quem escreve, mas também em quem observa e lê. Por isso que falei que te admiro, pois apesar do poema ser repugnante por causa do tema, é um texto que possui uma carga poética fortíssima, e você conseguiu vencer a barreira do repugnante para encontrar a beleza simétrica e poética que se disfarça de imagens horríveis. Valeu, Fábio. Sobre o meu e-mail, te passo, sim, mas não aqui, publicamente, vamos conversando, e eu consigo uma forma de te passar o meu e-mail. Ah...sim, peraí... aproveitando a deixa, perceba que logo acima desta janela para postar os comentários eu estou tentando encorajar os leitores a lerem e comentarem outro poema que deve ser tão ou mais indigesto que este, porém completamente imprevisível, ali, praticamente, as palavras brincam, criaram vida própria, guiaram-se. E, me diga, porque não você, meu herói, lê este texto também indigesto e torna-se o primeiro a comentá-lo? Vai ser uma alegria estar vendo você por aqui. O nome do post é "Será que vale a pena...?" e é o último post do blog (o mais recente). Valeu, amigo. Fica com Deus.

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  3. Não sei se vc lerá isso, se ainda lembra do poema que escreveu.
    Mas não posso deixar de parabenizá-lo, pq eis aí um artista da vida, que transforma algo que as pessoas não entendem em genuína beleza.
    Me identifiquei muito com seu poema, estando eu em um estado de pânico agora. Gostaria de te olhar nos teus olhos, sentir sua presença e embora eu jamais vá conhecê-lo fisicamente, de certa forma somos irmãos, pois vc tbm tem provado do inferno e do paraíso igualmente.Por favor, jamais desista, te achei um ser humano incrível.
    um grande abraço

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  4. Gostaria de ter contato com voce, voce simplesmente es um Genio das palavras, eu sofro do que voce sofre, 24horas por dia , meu refugio esta nas melodias e nas cancoes que escrevo, creio que daria uma boa musica para poucos ouvidos .. Enfim gostaria de te conhecer, manter um contato com voce te mostrar que estamos juntos desde ja agradeco .

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  5. muito bom... parabéns mesmo!!! Escreva mais ;)

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  6. Pergunta: Deixou mesmo de tomar Pondera?

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  7. Claudio, desculpe eu rir mas não posso evitar. kkkkkkkkkkk
    Vc é um gênio.rsrs

    O jeito mesmo é rir das desgraças.rsrs
    A vida é mt curta para ser levada a sério!
    Além disso além de loucos sermos chatos não dá com nada.rsrs
    É muita desgraça para um ser só. kkkkkkk

    Fique bem e não perca nunca a sua essência.
    Abraço.

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  8. Saí lendo sobre o Pondera para ver se tinha a ver com a apatia que estou sentindo... e no final o seu poema me fez rir, tinha tempo que isso não acontecia. Te agradeço, abraço e continue vivo!

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  9. Claudio, grande texto! Que extravagância abrir as portas que dão para o Vale da Sobra da Morte, e com total coragem desbravar o sombrio da noite, embolsando os fantasmas que saem destinados a atormentar! Mas quem dera ser mesmo assim né? quem dera que nossa poesia pudesse salvar-nos. Mas a verdade é que pode salvar muitos outros de nós. Continue Claudio, você já tocou o céu, imagina então se agarra uma estrela?!

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  10. Após uma semana de extrema loucura, 7 dias sem tomar Pondera pois o mesmo acabou, retorno frustado de uma consulta ao psiquiatra que me entregou no corredor da clínica uma caixa com 20 comprimidos do mesmo Pondera que havia acabado dizendo: "tenho um compromisso e não vou poder te atender, remarque para o mês que vem assim que a sua medicação acabar" e foi embora... Chegando em casa mais louca do que quando saí, resolvo recorrer ao Google e ler um pouco mais sobre essa medicação e seus efeitos. Eis que encontro nesse blog um post MARAVILHOSO sobre a tal maldicação (quis dizer medicação rsrsrs), despertando em mim uma enorme vontade de ler os demais posts até encontrar esse... Não sei se tão ou mais maravilhoso que o primeiro que li. Texto perfeito que conta todas as minhas hipóteses de suicídio (acho que esqueci de dizer mas talvez já tenham percebido rsrs que também sou depressiva e tenho síndrome do pânico) até chegar ao final do texto justamente com a minha única hipótese concretamente testada...só não teve esse ar tão poético na minha tentativa. Talvez tenha faltado o banheiro, a água quente, as espumas... Que bom que a minha tentativa foi frustrada, o que me permitiu hoje estar viva (acreditem, eu ainda estou viva) e ler essa MARAVILHA de texto. Obrigada, você é um gênio nas palavras!!!!

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  11. muito bom mesmo! demais! espero que as dores virem crescimento, como as minhas viraram...
    :)

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Comentários estão liberados por tempo indeterminado, pois não terei condições, por algum tempo, de moderá-los (estarei sem internet durante algum tempo então não sei quando exatamente retornarei) por isso comentem a vontade e os comentários serão publicados automaticamente, porém, fica assim, logo que consiga voltar e lê-los, caso haja algo ofensivo ou inadequado, irei deletá-los, ok? (porém, tenho que ser justo: todos que passaram aqui e comentaram ou não, até este momento, só trouxeram alegrias). Ah, sim... ainda em tempo, há um post muito indigesto neste blog, se chama "Será que vale a pena...?", este post é tão horrível que, até este presente momento, só mesmo eu tive coragem de comentá-lo, por isso, para promover aquele texto (poema????) horrendo, os heróis (que Deus lhes proteja) que conseguirem comentá-lo concorrerão a uma caixa vazia do meu remédio faixa-preta, com uma dedicatória e meu autógrafo. Fiquem com Deus, assim que possível, retornarei. Bye.